A sociedade, às vezes, não se reconhece no espelho, por Marcus Pestana


A votação do impeachment na Câmara dos Deputados foi acompanhada pela população em clima de final de Copa do Mundo. A longa sessão alcançou índices de audiência inéditos. A maioria dos cidadãos acompanha pouco o funcionamento do Poder Legislativo. Em geral, as pessoas só percebem a centralidade do Parlamento na democracia quando algum interesse direto ou corporativo é envolvido em alguma discussão legislativa.

Foram grandes a repercussão e o mal-estar coletivo com as declarações que acompanharam os votos que levaram à admissão do processo de afastamento da presidente Dilma. De um lado, o samba de uma nota só da minoritária bancada governista sobre o suposto golpe inexistente e a quebra da democracia, que definitivamente não está ocorrendo, ao contrário. De outro, centenas de declarações envolvendo motivações paroquiais, familiares ou religiosas. Poucos, como eu, falaram sobre os crimes e as transgressões cometidas.

O estranhamento ocorrido entre a sociedade e sua representação política, nesse caso concreto, revela o fosso abissal que se abre crescentemente entre a cidadania e a principal instituição que a representa. Historicamente, as pesquisas de opinião revelam a avaliação ruim que a sociedade tem de seus representantes políticos.

Mas, em tese, o Congresso é o espelho da sociedade, já que ninguém chega lá sem ser eleito por ela, no ambiente da mais completa liberdade. É uma questão instigante discutir por que a população, ao mirar o que seria seu reflexo no espelho, tem a sensação de incômodo e decepção.

Salta aos olhos que as regras de nosso sistema não ajudam a construção de uma relação de proximidade, identidade e controle entre representante e representado, entre eleitor e eleito. Além disso, é evidente que o poder econômico, o baixo nível de informação e consciência, o populismo, entre outros vetores, distorcem a representação. E aí, em momentos de alta e rara visibilidade, como na votação do impeachment, a raiz renega os frutos, o cidadão renega a imagem coletiva projetada no espelho.

Não há democracia sem Parlamento, a instituição central na dinâmica democrática. Daí surgem as leis que regem a vida social, as regras do jogo. Montesquieu disse certa vez: “Liberdade é o direito de fazer tudo que as leis permitem”. Daí a centralidade do Poder Legislativo.

O Executivo reflete uma posição majoritária temporária que se forma. Não representa o todo. O Judiciário encarna a garantia do cumprimento das leis. É o Parlamento, com suas virtudes e pecados, que representa toda a sociedade. Se é verdade que a liberdade é um valor universal e permanente; se é verdade, como quis o estadista inglês, que a democracia é o pior sistema, exceto todos os outros, tratemos de melhorar o funcionamento de nosso sistema político e qualificar o processo eleitoral em 2016 e 2018. Quem sabe assim a imagem no espelho reflita melhor a sociedade brasileira.

(*) Marcus Pestana é deputado federal pelo PSDB-MG. Artigo publicado no jornal “O Tempo” em 23 de maio de 2016.  

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23 maio, 2016 Artigosblog Sem commentários »

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