Esquisitíssimos, retrógrados ou apenas lulopetistas, por José Aníbal


Escrevo na terça para meia dúzia de leitores na Quarta-Feira de Cinzas. Mas o faço com disposição e, talvez, vã expectativa de que para algo sirva, especialmente aos parlamentares e aos que ainda têm ânimo para caraminholar sobre saídas para a encrenca em que estamos metidos.

Pelo Estadão da segunda-feira de Carnaval ficamos sabendo do emagrecimento de 8 dos 9 principais programas sociais do governo em 2015 na comparação com 2014. A principal vítima foi o Bolsa Família. Teve R$ 1 bilhão a mais em 2015, mas, descontada a inflação, perdeu 5% de valor comparado a 2014. O Bolsa Família é o único programa de transferência de renda que não é indexado pela inflação. Quer dizer, o governo pode cortar os recursos sem precisar fazer pedaladas. É possível fazer diferente?

No Brasil, os 20% mais pobres da população se apropriam de menos de 4% da renda nacional. Um programa de ajuste fiscal é perfeitamente compatível, não apenas com a manutenção da renda deste grupo, como até mesmo com a ampliação da participação destes brasileiros mais pobres na renda nacional. Com este governo, infelizmente não é assim. Sua política de ajuste é um conjunto de impulsos sucessivos que agravam a situação das deterioradas contas públicas e empobrecem ainda mais a população.

Agora, o governo se propõe a transformar o déficit primário de R$ 60 bilhões em 2015 em superávit primário de R$ 24 bilhões em 2016. A conta não bate! A despesa contratada do governo federal crescerá R$ 75 bilhões este ano, de acordo com a lei orçamentária. Mais R$ 60 bilhões para cobrir o déficit primário de 2015, mais R$ 24 bilhões de arrecadação extra para cumprir a meta do superávit primário. Vai precisar, portanto de R$ 160 bilhões a mais num ano de recessão já estimada entre 3% e 4% do PIB. Para atingir seu objetivo sem pedaladas e outras transgressões, a arrecadação deveria ter crescimento real de 7% a 8% este ano. Nem Dilma, nem Barbosa, nem ninguém acredita nesta pegadinha/pegadona.

Dá para entender – não para concordar – por que o governo está tão obcecado por encontrar novos meios de rapinar a sociedade com mais impostos. Até o picolé/sorvete e o chocolate estão sendo punidos com aumento de impostos.  A sanha tributária avança sobre aqueles que foram mais competitivos e aumentaram as vendas no ano passado. A CPFM, sonho de verão do governo e razão principal da ida de Dilma ao Congresso, já recebeu o merecido repúdio da maioria dos parlamentares. Enquanto isso, o governo, que deveria dar o exemplo reduzindo os próprios gastos, fica no lero-lero de sempre, incapaz de cortar os excessos na máquina gorda e corrupta montada pelo lulopetismo.

Ainda no Estadão, mas no domingo de Carnaval, dois textos merecem leitura atenta pelo que podem e devem contribuir ao bom debate: “O certo e o errado”, de FHC, e “Retomar o fio da meada”, de Luiz Werneck Vianna.

Vianna começa mencionando que em abril de 2014 ele, “intrigado com a falta de previsibilidade sobre a natureza da situação que já então nos afligia, arriscou-se a caracterizá-la como esquisita”. Hoje, depois da sucessão presidencial, de Levy e Barbosa, do impeachment, da Lava Jato afetando os partidos e atingindo Lula, Vianna diz que cabe o reparo: “a situação está esquisitíssima e é de alto risco para a democracia brasileira”.  Em seguida, continua: “Estamos, agora, no reino da imprevisibilidade, condenados a marchar nas trevas, uma vez que o passado não mais ilumina o futuro, uma vez que deixamos escapar, por manobras erráticas e ambições de poder, o rico repertório que criamos ao longo das lutas contra o regime militar e nos conduziu à democratização do País”. Viana faz menção a importantes episódios ocorridos desde então, de oportunidades criadas e perdidas, para concluir que “nosso destino vai depender da batalha de ideias, que, aliás, já começou”.

FHC escreve no início: “Em meio ao desmoronamento, o lulopetismo procura embaçar a vista de quem assiste à sua queda dizendo que tudo não passa de uma trama ‘da direita’ para desacreditá-lo por ser ‘de esquerda’. (…) Boa parte dos atuais lulopetistas tampouco são de esquerda, defendem ou creem apenas em noções atrasadas”. “Por isso cabe aos políticos de oposição, na luta ideológica, continuar a desmantelar as fortalezas do atraso. Além de desmontar o argumento da ‘armação jurídica’, é preciso reduzir ao ridículo a ladainha de que a crise atual decorre de fatores externos.”

Para FHC, é hora de reconquistar a confiança da sociedade, fazer agenda de reformas, descartar os anabolizantes do lulopetismo que tantos desastres produziram e retomar as aspirações da Constituição de 1988, “contra a qual o PT votou, por julgá-la conservadora: um Brasil democrático, não apenas mais desenvolvido, mas, sobretudo, socialmente mais justo”.

Ao final, FHC diz: “Há forças capazes de corrigir os desatinos cometidos. Para isso é preciso que lideranças não comprometidas com o lulopetismo, apoiadas pelos grupos sociais que nunca se deixaram ou não se deixam mais seduzir por seu falso encanto, assumam sua responsabilidade histórica, dentro da Constituição, para fazer o certo em benefício do povo e do País”.

Que todos tenham uma boa Quarta-feira de Cinzas e um bom ano depois das curtições do Carnaval!

(*) José Aníbal é presidente nacional do Instituto Teotonio Vilela. (foto: Alexssandro Loyola)

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10 fevereiro, 2016 Artigosblog Sem commentários »

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